O desejo é uma força motriz fundamental na vida humana, responsável por impulsionar nossas ações, ambições e relacionamentos. Do ponto de vista psicológico e filosófico, o desejo pode ter funções positivas, como a busca por realização pessoal, crescimento e a construção de identidades. Ele nos motiva a alcançar metas, explorar novas experiências e estabelecer conexões significativas com os outros.
Historicamente, o desejo tem sido visto como um elemento essencial para o progresso humano. Aristóteles, por exemplo, considerava o desejo como o motor para a busca da eudaimonia, ou seja, o florescimento humano. Na psicologia moderna, teorias como a de Maslow, com sua hierarquia das necessidades, colocam o desejo como um elemento crucial para a autorrealização. O desejo de ser, de pertencer e de alcançar nos impulsiona a buscar significado e propósito em nossas vidas.
Desumanizar a sua vida está te levando à ruína
No entanto, a modernidade, com seu ritmo acelerado e seu foco na eficiência e no consumo, criou um ambiente que distorce e intensifica o desejo de maneira disfuncional. A sociedade contemporânea, marcada pelo avanço tecnológico, redes sociais e a cultura do consumo, promove um ciclo incessante de desejos superficiais e, muitas vezes, insaciáveis. A necessidade de pertencimento e aceitação social é exacerbada por plataformas digitais que nos bombardeiam constantemente com padrões de sucesso, beleza e felicidade inatingíveis.
A influência da modernidade sobre o desejo pode ser observada na forma como as pessoas se engajam em atividades que, embora aparentemente sem sentido, preenchem um vazio existencial. Um exemplo é a participação em comunidades online que promovem comportamentos e valores disfuncionais. O caso de indivíduos que financiam a carreira de influenciadoras pornográficas é emblemático dessa disfunção, onde o desejo de conexão e pertencimento é canalizado para práticas desprovidas de significado profundo e que potencialmente são prejudiciais.
A função social do desejo
Historicamente, o desejo sempre foi manipulado pelas estruturas de poder e cultura. Com o advento da modernidade e do capitalismo, no entanto, o desejo passou a ser explorado de forma mais direta pelo mercado, transformando-se em uma ferramenta para o consumo em massa. A publicidade e o marketing têm desempenhado papéis cruciais na amplificação do desejo, utilizando a psicologia para criar necessidades onde antes não existiam.
Na contemporaneidade, a globalização e a digitalização da vida intensificaram essa dinâmica. A cultura de massas, alimentada pela internet e pela televisão, dissemina padrões homogêneos de desejo, ao mesmo tempo em que cria uma ilusão de individualidade e escolha. Os indivíduos, em sua busca por se destacar e pertencer, muitas vezes se veem presos em uma espiral de desejos que nunca são plenamente satisfeitos.
O fato é que tal disfunção nos torna menos humanos.
Agentes comuns da antítese humana
Dos exemplos mais alarmantes da desumanização, o consumo de pornografia é, certamente, um deles. Pois não apenas desumaniza o outro, transformando pessoas em meros objetos de satisfação, mas também desumaniza a si mesmo, corroendo a capacidade de formar conexões emocionais genuínas. Estudos de neurociência sugerem que o consumo regular de pornografia altera o cérebro, afetando áreas responsáveis pela empatia e pelo controle de impulsos. Isso resulta em uma mente que é cada vez mais sexualizada e menos capaz de experimentar emoções complexas e significativas.
A pornografia também promove uma desconexão entre corpo e mente, reduzindo a experiência sexual a um ato puramente físico, sem a profundidade emocional que deveria acompanhá-lo. A necessidade de dessexualizar a mente é, portanto, crucial para recuperar nossa humanidade e a capacidade de nos relacionarmos de forma saudável com terceiros.
Outro fator que contribui para a desumanização é o consumo exacerbado de conteúdo de horror e terror, conhecido como “gore”. Essa exposição contínua a imagens e narrativas violentas dessensibiliza o espectador, reduzindo sua capacidade de sentir empatia e tornando-o menos sensível à dor e ao sofrimento alheio.
Além disso, o exagero generalizado em qualquer aspecto da vida, especialmente no consumo material, cumpre uma função similar. A busca constante por mais — mais bens, mais estímulos, mais satisfação imediata — nos torna cada vez mais apáticos e incapazes de apreciar a simplicidade e a profundidade da vida. Em vez de nos tornarmos mais realizados, nos tornamos mais vazios, incapazes de encontrar encanto nas experiências que antes nos traziam alegria e significado, vivendo na espera de um extraordinário, algo capaz de superar a experiência prévia.
Inversão de valores: egoísmo e materialismo
A modernidade também trouxe uma inversão de valores onde o egoísmo e o materialismo se tornaram virtudes. Vivemos em uma sociedade que celebra o individualismo e o sucesso material, frequentemente às custas dos outros e do bem coletivo. Essa busca incessante por bens materiais e status social desvia nossa atenção das coisas que realmente importam — como conexões humanas autênticas, altruísmo e compaixão.
Essa inversão de valores cria um ciclo vicioso, onde a satisfação momentânea é priorizada sobre o bem-estar a longo prazo. Pessoas que vivem dessa maneira acabam se sentindo vazias e desconectadas, pois o materialismo não consegue preencher a necessidade intrínseca de propósito e conexão que todos temos.
A necessidade de sofrimento para o crescimento
Por mais contraintuitivo que possa parecer, o sofrimento desempenha um papel essencial em nosso desenvolvimento psicológico e emocional. A neurociência mostra que experiências adversas ativam mecanismos cerebrais que nos ajudam a crescer e a nos adaptar. O sofrimento nos ensina resiliência, empatia e nos conecta com a realidade da condição humana.
Quando nos afastamos dos sofrimentos naturais da vida em busca de prazeres constantes, nos privamos de experiências que são fundamentais para nosso crescimento. A ausência de sofrimento pode levar a uma estagnação emocional, onde o indivíduo se torna incapaz de lidar com adversidades, o que, por sua vez, afeta negativamente a autopercepção e os relacionamentos.
Ao deixar de viver uma vida humana — com todos os altos e baixos, as dores e alegrias — estamos minando nossa autopercepção. Nos tornamos alienados de nossas próprias emoções e necessidades, o que nos impede de desenvolver uma identidade sólida e autêntica. Além disso, a desumanização enfraquece os laços sociais, criando indivíduos que são agentes negativos no coletivo. A falta de conexão e empatia resultante da desumanização gera uma sociedade mais fragmentada, onde as relações são superficiais e utilitárias.
Reumanização e autoconhecimento
Para evitar a ruína individual e coletiva, é essencial que resgatemos nossa humanidade. Isso significa confrontar a desumanização em todas as suas formas — seja através da dessexualização da mente, da proposição melhor ajustada de valores ou da aceitação do sofrimento como parte integral da vida. Ao mesmo tempo, é crucial que cada indivíduo trabalhe para se fortalecer internamente, abandonando a busca por prazeres superficiais e focando em seu crescimento pessoal e na construção de relacionamentos saudáveis e significativos. Somente ao abraçar plenamente nossa condição humana podemos encontrar verdadeiro significado, propósito e conexão em nossas vidas.